Nos 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, país comemora avanços apesar das desigualdades persistentes

13/07/2020 - Câmara Municipal de Fortaleza

Para comemorar a data, o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Fortaleza (Comdica) realiza uma programação com a realização de três lives.

Há 30 anos o Brasil aprovava uma das leis mais controversas e revolucionárias em se tratando da defesa dos direitos das Crianças e dos Adolescentes – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Naquele período, o pais, estava mergulhando no subdesenvolvimento com relação a essa temática. Na Educação, uma em cada cinco crianças e adolescentes estava fora da escola e uma em cada dez adolescentes, não estava alfabetizado. A mortalidade infantil batia recordes, pois a cada mil bebês nascidos vivos em torno de 50 não completavam um ano. Além disso o trabalho infantil atingia mais de 8 milhões de crianças e adolescentes.

Hoje, a mortalidade infantil continua alta, 4,2 mortes para cada mil nascidos vivos e o trabalho infantil ainda é uma realidade para 2,3 milhões de crianças e adolescentes, mas muitos avanços foram conquistados. Para comemorar a data, o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Fortaleza (Comdica) realiza uma programação com a realização de três lives, sendo a primeira realizada nesta segunda-feira (13), com o tema “30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente”, o encontro virtual ocorreu pela plataforma Google Meet. As outras lives acontecerão no dia 15/07, com o tema “O ECA na visão de crianças e adolescentes de Fortaleza” e no dia 17/07 com o tema “30 anos de ECA: avanços e desafios.”

Segundo a presidente do COMDICA, Fátima Figueiredo, essa data é muito importante para enaltecer uma lei que mudou vários conceitos que se tinha sobre os direitos das crianças e adolescentes, mas admite que ainda existe muita coisa a melhorar. “O que se passa dentro de uma casa, a portas fechadas, nós só sabemos depois. Ainda temos crianças que são exploradas pelos pais, são abusadas, que saem as ruas para vender algo para o pai comprar drogas. Mas muita coisa mudou. Fortaleza era conhecida como cidade de prostituição de adolescentes e crianças, hoje quase não se ouve falar nisso. Mas devemos nos manter alerta, os educadores nas escolas devem estar atentos aos sinais, nas mudanças de comportamento das crianças e adolescentes, pois isso pode representar a salvação contra abuso e exploração. Nós aqui estamos fazendo nossa parte para melhorar e buscar saídas para as diversas situações do dia a dia”, disse.

A conselheira do Comdica e representante da Secretaria Municipal de Educação no organismo, Laura Picanço, disse ser de suma importância comemorar a data, até como fator de publicização do Estatuto e seus avanços. “Temos o dever de garantir a proteção e defesa de nossas crianças e adolescentes dentro de nossas escolas, pois é na escola que passam a maior parte da vida deles. E para aqueles que ainda não estão na escola, que a gente faça com que eles ingressem e que não haja evasão. Que possamos fortalecer essa lei, que foi direcionada para conter violação dos direitos”, ressaltou.

A conselheira do Comdica Lúcia Ângelo pontuou que essa luta em prol das crianças e adolescentes não começou hoje, ela vem de longe, de antes de 1990. “Já vínhamos discutindo sobre a proteção integrada. A partir de 1988 o artigo 277 da Constituição Federal proporcionou a criação do Estatuto que trouxe o conceito de proteção integral. Nós temos um papel muito importante, que é garantir nenhuma criança sem escola; nenhuma criança e adolescente trabalhando, e que todos tenham saúde integral. Temos que ver a criança e o adolescente como prioridade absoluta. Dentro de nossa sociedade tem muita gente que não conhece a lei. Até mesmo profissionais que atuam na área. Mas é importante que todo cidadão tenha o ECA como livro de cabeceira”, enfatizou.

A conselheira do Conselho Tutelar da Regional VII, Lúcia Góes, asseverou que os maiores desafios encontrados para o cumprimento do Estatuto, ainda são: a pobreza extrema em várias localidades; a ausência de projetos sociais para crianças e adolescentes e o avanço da dominação do tráfico. Ela ressalta, porém, que o Estatuto veio facilitar o trabalho com crianças e adolescentes, por ser uma Lei que ampara os direitos desse segmento. “Temos um norte, um caminho a seguir, uma Lei que respalda o trabalho do Conselho Tutelar”, assevera.

História

O Brasil participou ativamente das discussões internacionais que culminaram, em 1989, na Convenção Sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), assinada por 196 países. E mesmo antes, o Brasil, já na Constituição de 1988, tornou dever da família, da sociedade e do Estado, “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Hoje, o ECA é considerado uma das melhores leis nacionais que traduzem a Convenção sobre os Direitos da Criança, e foi usado como referência para a maioria dos países latino americanos. A mudança que o ECA trouxe para o segmento no país foi bem acentuada, diante da legislação anterior, o chamado Código de Menores, de 1979, que se baseava na repressão a crianças e adolescentes em situações irregulares, como crianças órfãs, pobres, em situação de rua ou em conflito com a lei.

O ECA trouxe a “Doutrina da Proteção Integral”, um dos pontos mais polêmicos da nova lei, que distribui à toda a sociedade a responsabilidade por assegurar os direitos das crianças e adolescentes com prioridade absoluta, citando explicitamente que esse é um “dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público”. O antigo regime de punição foi substituído pelo sistema socioeducativo. Hoje existem 26 mil adolescentes cumprindo pena no país.

Trabalho Infantil

Desde a implementação do ECA o trabalho infantil diminui cerca de 68% no País. Foram 5,7 milhões de crianças e adolescentes que deixaram de trabalhar no período (1992 a 2015). No entanto, 2,4 milhões continuam nesta situação, sendo 80% adolescentes. Mas sobre o trabalho dos adolescentes, o ECA contribuiu para que as leis criassem formas menos precárias de trabalho para esse segmento, como a Lei de Aprendizagem, de 2000. A lei elevou a idade mínima para aprendizagem de 12 para 14 anos e determinou que os adolescentes recebam “formação técnico-profissional metódica compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico”.

Racismo e Violência

Mesmo com três décadas em vigência, o Estatuto da Criança e do Adolescente não foi capaz, ainda, de minimizar algumas problemáticas, como racismo, a violência doméstica e o abuso sexual. Um dos fatores principais para que essas situações perdurem é a desigualdade em suas várias formas. O racismo por exemplo, para especialistas, é uma das desigualdades que o país ainda engatinha para superar.

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a desigualdade social ainda é uma chaga aberta no Brasil, pois em 2016, 64,1% das crianças e adolescentes em trabalho infantil eram negros; 82,9% das vítimas de homicídios entre 10 e 19 anos e 75% das meninas que engravidam entre 10 e 14 anos, também. Outro dado importante é que das crianças que abandonam a escola ¾ são negras. Com relação a taxa de homicídios, o número de adolescentes assassinados mais que dobrou no país entre 1990 e 2017. O número de vítimas entre 1996 e 2017, chegou a 191 mil, estima o Unicef.

Educação

O crescimento da presença das crianças e adolescentes na escola é considerado um dos principais avanços conquistados no país nos últimos 30 anos. Segundo relatório mais atualizado do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2020, 98,1% da população de 6 a 14 anos frequenta ou já concluiu o ensino fundamental, e 73,1% dos adolescentes de 15 a 17 anos frequentam ou já concluíram o ensino médio. O país, no entanto, precisa cumprir algumas metas para melhorar o setor como atingir 100% o percentual de crianças de 4 a 5 anos em escolas ou creches; o percentual de crianças de até 3 anos em creches, e o percentual de adolescentes de 16 anos com o ensino fundamental concluído que precisa chegar a 95%, mas ainda está em 78,4%. 

Saúde

Entre os avanços na área de saúde está a redução da mortalidade infantil, com a efetivação do cuidado pré e pós-natal, avanços no tratamento odontológico, no acesso a métodos contraceptivos, na proteção contra as drogas e em diversas outras áreas, como a vacinação, que passou a sofrer recentemente com quedas na taxa de imunização. Apesar de obrigatória, o pais não ultrapassou, em média, 95% de suas crianças imunizadas. Algumas vacinas atingiram até menos, como a tríplice viral, que previne rubéola, caxumba e sarampo, que teve uma queda de imunização para 90% na primeira dose em 2017 e 2018, e a segunda dose continuou bem abaixo do pretendido, com 75% de cobertura.

Outros avanços

O Estatuto inovou ao atribuir responsabilidades em relação à pessoa com menos de 18 anos não apenas à família, mas também ao Estado e à sociedade. Isso possibilitou avanços, como a  criação dos Conselhos Tutelares e os Conselhos de Direitos, compostos por representantes da sociedade civil que, junto com o Estado, passaram a estabelecer as políticas básicas e especiais para a infância e a juventude.

Houve alteração da política de atendimento, antes traçada pela Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem). Hoje, cada município deve fazer o seu diagnóstico e, a partir dele, formular uma política adequada por deliberação do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente. O Estatuto também conferiu papel fundamental à Justiça da Infância e da Juventude, nas situações em que o administrador público não cumpre o seu.

Arte: SG Propag