Covid-19: mutação rara na proteína Spyke passa a ser investigada em todo país

24/03/2021 - Rochelle Nogueira

No Ceará, a Fiocruz segue monitorando as variações do vírus. Até o momento não foram encontradas alterações, mas as amostras precisarão ser testadas pois é possível que já exista variantes circulantes que apresentem essas características.

Desde o surgimento do coronavírus em humanos, o Sarsc-Cov-2 já ganhou várias alterações no seu código genético, chamados pelos especialistas de variantes. Característico de um vírus de biologia RNA, o coronavírus sofre grandes mutações e tem uma evolução rápida.

No Brasil, por exemplo, existem linhagens percorrendo o país desde o princípio da pandemia. O primeiro foi caracterizado como B.1.1.33 e o outro o B.1.1.28, que ao longo do tempo foram evoluindo e novas variantes foram surgindo, é o caso da P1 detectado no estado do Amazonas e a P2 que já se dispersou por todo o país.

Mutação rara

Com essa alteração viral característica, os pesquisadores da Rede Genômica Fiocruz identificaram uma nova mudança na estrutura das variantes do coronavírus. Segundo o órgão, desde o princípio da pandemia foram coletadas e analisadas cerca de 2 mil amostras e 15 delas oriundas de 7 estados: Amazonas, Bahia, Maranhão, Paraná, Rondônia, Minas Gerais e Alagoas, apresentaram alterações importantes na estrutura do vírus.

Nas análises foram encontradas uma mutação rara na Proteína Spyke (S) que pode reduzir a capacidade de defesa dos anticorpos. Essa modificação permite a invasão do vírus no corpo fazendo com que não seja reconhecido ou apenas parcialmente pelos anticorpos, o que deixa o vírus fica praticamente imperceptível. Essa modificação já é característica nas variantes do Reino Unido e da África do Sul e começaram a ser encontradas nas variantes locais: P1, P2 e N9.      

No Ceará

No Ceará, o Dr. Fabio Miyajima, pesquisador da Fiocruz Ceará e membro da Rede Genômica da Fiocruz, explica que o órgão segue monitorando as variações do vírus no estado, mas que até o momento não foram encontradas alterações nas amostras dos cearenses, no entanto o universo de amostras precisarão ser testadas pois é possível que já exista variantes circulantes, comuns ou VOC P.1, que apresente essas características.

Confira abaixo entrevista com o pesquisador, Dr. Fabio Miyajima 👇

A Fiocruz identificou alteração na proteína Spike. O que isso significa diante desse cenário pandêmico que vive o país?

Significa que o cenário atual, que é o reflexo de vários meses do nosso modo de organização para o enfrentamento da pandemia, com relaxamento ao atendimento às medidas de distanciamento físico, baixo índice de isolamento social, com alta de exposição à COVID, permitiu a contínua permanência do vírus, oferecendo inúmeras oportunidades para surgimento de variantes altamente seletivas, chamadas variantes de preocupação (variants of concern, VOC) mais competentes para causar infecções, mais transmissíveis e que podem se disseminar mais rapidamente na população, inclusive em indivíduos que já foram expostos ao vírus anteriormente e que já apresentavam anticorpos contra as variantes comuns.
As novas variantes de preocupação (VOCs) e aquelas que estão sendo investigadas (VOI), apresentam em comum, mutações na proteína Spike (espícula), o que certamente indica que podem conferir vantagens seletivas, geralmente em categorias como maior capacidade de evadir (enganar) sistema de defesa humano, melhor eficiência na ligação com o alvo humano, maior patogenicidade e aumento de transmissibilidade (maior carga viral).

Essas alterações na proteína Spike do vírus Sars-Cov2 em circulação no Brasil já podem ter acometido pessoas no Ceará, e o que qual o impacto disso?

O estado do Ceará, através do CIEVS da Secretaria Estadual da Saúde, da rede de Laboratórios de Diagnóstico (Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará/Hemoce e Central Analitica Unadig/Fiocruz), e da Fiocruz Ceará tem atuado em parceria com a Rede Fiocruz de Vigilância Genômica para o monitoramento de novas variantes no nosso estado. Mais de 100 genomas de amostras representativas do último trimestre de 2020 e de primeiros meses de 2021 foram sequenciadas, havendo constatado um contínuo incremento de circulação da variante VOC P.1, sendo que até o momento não detectamos ainda a presença de outras mutações estruturais na proteína Spike. Todavia, o universo de amostras que precisarão ser testadas terá que ser aumentado à medida que a rede de vigilância genômica do nosso estado se consolide, pois é possível que já exista variantes circulantes, comuns ou VOC P.1, que apresente essas características. A questão disso poder ou não impactar no atual quadro epidemiológico da pandemia do nosso Estado, terá que ser investigado prospectivamente. O que sabemos, no momento, é que um dos grandes contribuidores para esta nova onda pandêmica no Brasil, inclusive no estado do Ceará, tem sido, pelo menos em parte, atribuída à disseminação da VOC P.1, ao aumento das taxas de transmissão e número de casos totais, principalmente de formas graves. Em nossas avaliações por sequenciamento total (WGS), ou por testes específicos moleculares por inferência, estimamos que mais de 2 em cada 3 casos que investigamos são prováveis VOC P.1, e estaremos continuamente monitorando esses eventos e parceria com as autoridades de saúde.

Os cearenses também participam dessas pesquisas com amostras coletadas?

Conforme mencionado acima, o Ceará e a sociedade Cearense já têm certamente participado deste exercício de vigilância, que poderá certamente constituir em objeto importante de pesquisas. A participação dos cidadãos Cearenses será muito importante, porque as amostras virais e sorológicas que serão monitoradas, serão consideradas inclusive como acervo para testes laboratoriais em centros de referência de COVID-19, como o LVRS do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz RJ, para avaliação de eficiência de neutralização de anticorpos contra diversas variantes brasileiras e internacionais, e no aprimoramento das vacinas que estão sendo produzidas na própria Fiocruz e em outros centros de produção. No momento essas mutações não são predominantes, são ainda incomuns

Contenção das novas variantes

Neste novo cenário é preciso que a vacinação no país ocorra de forma mais célere e que medidas mais restritivas sejam impostas em todo o território nacional. Fiocruz recomenda a restrição de atividades não-essenciais por cerca de 14 dias e o uso obrigatório de máscaras por pelo menos 80% da população. As modificações no material genético do vírus pode acarretar em alterações nas vacinas contra a Covid-19.