Como lidar com o luto na pandemia da Covid-19

15/03/2021 - Ana Clara Cabral

A psicóloga Elisabete Viana falou nesta matéria sobre como lidar com o luto em período de pandemia

Durante a pandemia, muitas pessoas vivenciaram o luto da perda de pessoas próximas em decorrência da Covid-19. E por se tratar do alto risco de contágio, familiares não tiveram nem a chance de se despedir. Esse foi o caso de Karla Midauar, que ainda lida com o luto pela sogra, que faleceu ano passado, aos 93 anos, e de sua tia, que há 30 dias perdeu a vida, aos 65. Ambas vítimas da Covid-19.

“Minha sogra já era idosa, tinha alzheimer, diabetes, mas estava bem. Quando eu soube que ela tinha sido internada com Covid, sabia que ela não ia resistir. Doeu demais porque ela foi uma mãe para mim e era uma mãe para as minhas filhas, que moravam com ela. Foi muito difícil voltar na casa dela, rever as coisas, o quarto e ela não estar lá”, contou.

Há 30 dias, Midauar também perdeu sua tia: “era minha comadre, madrinha da minha filha. Era aquela tia participativa, nova, a caçula que resolvia tudo. Ela não esperava que fosse morrer por hipótese alguma. Ficou fazendo o tratamento em casa com medicação e orientação dos médicos, mas não respondeu bem, começou pneumonia, foi internada na UTI, mas não resistiu depois de 5 dias”.

“Essa perda foi terrível. Assim que escutei a notícia, dei um grito. Eu não acreditei. Ainda estou vivendo esse período de luto, têm dias que apertam mais, que choro. Ainda não me conformei, já tive desentendimentos com Deus nas minhas conversas com Ele, mas entendo que Deus não queria que as pessoas tivessem morrendo. Eu e minha família ainda estamos sofrendo muito”, explica.

Assim como em milhares de famílias, Karla não teve a chance de se despedir de nenhuma das duas: “o que é mais covarde desse vírus, é não conseguir encerrar o ciclo. A gente perde a pessoa e não pode chegar perto, não pode ver, não pode ter velório. Perde a pessoa e ela desaparece”, falou com voz embargada.

Apesar da imensa dor, Karla Midauar disse que após o ocorrido, seu pai passou a dar mais atenção à pandemia. Ela falou sobre como sua família lida com o luto: “a dor é muito grande, tentamos lembrar das coisas boas, pensar que ela está bem, que foi para o céu. Me distraio fazendo trabalho manual, lendo livros, mas ainda está muito à flor da pele. Vou vivendo um dia de cada vez, acreditando que vai dar certo e tomando todos os cuidados que podemos para proteger os nossos. O tempo vai amenizar, mas não vamos esquecer”.

Ainda, Karla afirmou que faz terapia toda semana para não adoecer mentalmente: “desde o ano passado adotei para a minha vida e não pretendo parar tão cedo. É meu remédio pra me dar forças, me fazer pensar e me tirar da inércia. Além disso, tenho meus animais, minha cachorrinha é meu ‘potinho de cura’”.

Inumeráveis

Karla mencionou que chegou a escrever sobre sua sogra para o site Inumeráveis, (um memorial dedicado à história de cada uma das vítimas do coronavírus no Brasil). “Foi um jeito de homenageá-la e fazer com que sua existência não passasse despercebida. Sei que essas pessoas enquanto estiverem nos nossos corações vão continuar vivas através de nós.”, finalizou.

Como lidar com o luto durante a pandemia?

Elisabete Viana, psicóloga clínica especialista em Gestalt terapia e terapia sistêmica, falou sobre como a perda de uma pessoa amada pode trazer emoções variadas: tristeza profunda, raiva, inconformação. “Cada pessoa reage de uma forma, de acordo com sua história de vida, temperamento e proximidade com a pessoa que perdeu. Para algumas pessoas pode ser mais traumatizante, para outras, de forma mais serena”, explicou.

Ela falou que o luto pelas pessoas vítimas da covid é diferente: “a questão da Covid já muda desde o momento que a pessoa fica doente. Existe uma comoção social, uma preocupação imediata com o diagnóstico, pois o medo da evolução, necessidade de isolar a pessoa e a preocupação com a falta de leito, já tomam conta dos familiares. Com isso, a sensação de impotência e desamparo causam medo e incerteza”.

A psicóloga disse que quando a doença evolui, chegando ao luto, pouco tempo houve para elaboração psíquica da morte. “O luto de alguém que estava bem há poucos dias, mas que diante da Covid não resistiu, traz sensação de incredulidade, vazio emocional, pois não houve despedida”.

Para isso o enterro é importante, mas na impossibilidade, Elisabete afirma ser possível trabalhar o luto de outras formas: “uma alternativa é uma cerimônia em família ou reunião em memória do falecido, onde os familiares possam falar, compartilhar a saudade. Após o sepultamento, a família pode se organizar de várias formas, como missas ou cultos. De toda forma, é importante que esse momento seja marcado por simbolismos e acolhimento dessa despedida”.

Ela ainda fala sobre o apoio de pessoas queridas ser fundamental, mas que é preciso atenção quando há dificuldade para elaborar a perda. “Parentes ou amigos podem ser suporte emocional. A presença afetuosa é algo muito importante para a retomada da rotina e a elaboração do luto. Em casos de dificuldades para a transição do luto, um profissional habilitado, psicólogo, poderá auxiliar. Não existe um prazo definido para quem está vivenciando um luto. Para uns é mais demorado e difícil, para outros pode ser mais simples”, declarou.

Finalizando, Elisabete comenta que o luto é um processo imprescindível. É preciso compreender que esse tempo é vivido de forma pessoal e diferente. Sem cobranças, comparações e de preferência com o apoio de um profissional.

Imagem: iStock/Agência Brasil