Especialistas abordam futuro dos relacionamentos pós pandemia

17/06/2020 - Câmara Municipal de Fortaleza

O certo é que, o forçoso distanciamento social e o convívio mais próximo com familiares, têm ocasionado mudanças comportamentais.

O futuro da sociedade após o fim da pandemia é um dos temas recorrentes de lives com participação de especialistas sobre o comportamento humano. Vários aspectos são abordados, entre eles, como serão os relacionamentos interpessoais após o isolamento social? A Agência Fortaleza fez essa pergunta a três especialistas que abordam o tema sob os aspectos sociológicos, psicológicos e antropológicos quando do possível retorno à normalidade. O certo é que, o forçoso distanciamento social e o convívio mais próximo com familiares, têm ocasionado mudanças comportamentais nos indivíduos, forçando um olhar para dentro de si e para o outro. Mas quais transformações poderão ocorrer nos indivíduos e na sua forma de ver a sociedade?

Para a médica e doutora em Educação, Francinete Giffoni, quando se trata de relacionamento humano, é preciso buscar a matriz da identidade familiar, os primeiros anos de vida, os vínculos iniciais, o relacionamento com a mãe e o desenvolvimento psicoafetivo da criança. “Essa base vai determinar a construção dos vínculos nas fases seguintes. Então, com a emergência da pandemia, as pessoas tiveram que se adaptar a essa nova estrutura, a essa construção psicoafetiva emocional que veio se desenvolvendo ao longo de tempo. É algo muito particular e especifico de cada pessoa. Mas podemos observar o efeito do isolamento social na personalidade individual e nas relações familiares e sociais, de forma mais ampla”, avalia.

Para ela, existe um certo luto com o isolamento, pois a situação abalou um pouco os vínculos de forma involuntária, de forma mais ampla sociologicamente falando, e com isso, as pessoas têm se sentido frustradas em seus afetos, tanto com as pessoas de sua família, como do seu meio social. Outro aspecto, segundo ela, é que essa fase também gerou uma busca maior de relações virtuais, “as pessoas passaram a usar muito mais as relações nas redes sociais e a busca do autoconhecimento. Com isso, algumas que se prepararam bem mais que outras podem se sentir até mais fortalecidas, porque ampliaram seus vínculos e plantaram uma semente de um relacionamento até mais espiritual,” avalia.

Cita também como mudança, o fortalecimento de grupos pelo altruísmo. Entende que essa forma de se relacionar mais voltada para uma atitude humanitária vai permanecer, promovendo também mudança nos valores humanos. “É algo bem interessante, agente ver pessoas que não tinham liderança desenvolvendo liderança e práticas proativas. Isso é uma mudança na sociedade. O retorno será como um estado de pós guerra. Os vínculos deverão fluir por outros valores que são mais essenciais, que primam mais pelas virtudes. É também possível que o nível de violência seja despertado pelas desigualdades e que seja necessária uma nova ordem educacional, mudanças nas próprias escolas e nas religiões, no sentido de compreender melhor todo o efeito social que restou da pandemia”, assevera.

Impactos

Para o professor e pesquisador universitário da Uece, doutor em Antropologia, João Tadeu de Andrade, a atual pandemia traz distintos impactos para a sociedade e, particularmente, para a vida das pessoas.  “O Brasil já abrigou outros surtos de viroses e doenças contagiosas, tais como DST/Aids, dengue, sarampo, tuberculose e mesmo a distante gripe espanhola no século passado. Estas e outras enfermidades presentes entre os brasileiros afetam – de modo mais ou menos intenso – os relacionamentos sociais, a vida em grupo e as atitudes pessoais”, ressalta.

Opina que não é fácil apontar tendências gerais sobre o que pode acontecer nos relacionamentos, pois estamos em tempos incertos. “Temos um país continental, com população urbana e rural, acesso desigual aos meios de comunicação e a serviços de saúde, comunidades tradicionais etc. De um ângulo sociológico, poderá haver – como tem acontecido com regras de higiene e de isolamento – maior restrição a contatos corporais, cuidado com reuniões sociais, intensidade de relações usando a internet, alteração em rotinas de trabalho, dentre outras repercussões. Vejo que certa inclinação comportamental para a redução de riscos deverá ocorrer, sobretudo se passarmos ainda um longo tempo para vencer o vírus. Esta tendência poderá se firmar nas relações interpessoais, na medida em que for estimulada fortemente pela mídia, por programas de governo e por orientações de escolas, famílias e comunidades”, frisa.

Para João Tadeu, quanto ao individualismo, é preciso lembrar que ele já está enraizado em boa parte da sociedade moderna, com a economia de mercado e o incentivo ao consumismo. “Mas, a atual resposta à pandemia fortalece, em contraste ao individualismo, os elos de solidariedade, informação em rede e contato entre pessoas e grupos. Todo modo, um traço antropológico da vida dos brasileiros deverá seguir: o jeitinho, o improviso, a flexibilidade nas situações sociais e a adaptação criativa ao pós pandemia,” observa. 

Natureza das pessoas

A psicóloga e psicoterapeuta, mestra e doutora em psicologia, Isadora Dias entende que um aspecto importante no atual momento, é que a pandemia não modifica automaticamente a natureza das pessoas. “Penso que esta esteja atuando como um catalizador das intenções e das buscas de cada pessoa/família/grupo. Por exemplo: alguém que estava tendo problemas nas relações familiares, provavelmente precisou mergulhar nesses problemas e tudo se acelerou (dificuldades, brigas). Mas aquelas famílias que vinham cultivando união entre as pessoas, certamente aproveitaram esse momento para se fortalecer”, destaca.

Na sua avaliação, as pessoas que buscavam espiritualidade, que estavam sentindo necessidade de conhecimento ou autoconhecimento tiveram nesse momento uma excelente oportunidade de incrementar esses pontos. Do mesmo jeito os que buscavam ter uma maior consciência social, ecologia etc. “Não considero que a pandemia seja uma melhoradora de pessoas, se elas não estiverem buscando melhorar. Mas é uma grande oportunidade para isso. Por fim, percebo que as pessoas que tinham tendências individualistas, devem continuar assim. Então vejamos a quantidade de pessoas que não estão preocupadas com a saúde alheia nesse momento? Mas certamente a solidariedade, união, amizade, caridade também tendem a aumentar para aquelas pessoas que escolheram alimentar este lado em si mesmos”, conclui.

Fotos: Mateus Dantas