Ceará tem pelo menos dois indígenas mortos por Covid-19 e é o estado nordestino com mais casos nesta população

14/05/2020 - Câmara Municipal de Fortaleza

Liderança indígena relata problemas como insuficiência de profissionais de saúde indígena e de máscaras e materiais de higiene para a população

Comunidade indígena TAPEBAS

O Ceará tem, oficialmente, dois registros de morte de indígenas por Covid-19. Os dados atualizados ontem, 13, pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Governo Federal, dão conta ainda de 23 casos confirmados, oito curas clínicas e 13 pessoas infectadas atualmente. Contudo, extraoficialmente, lideranças indígenas cearenses relatam números mais expressivos de casos confirmados do contágio nas comunidades.

Weibe Tapeba, advogado, assessor jurídico da Federação Estadual dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince) e vereador de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, afirma que, só no Distrito Sanitário Especial Indígena do Ceará (Dsei) local, que contempla as etnias Tapeba e Anacé, há 15 casos confirmados e sete curas clínicas nos registros. “Particularmente, acredito que esteja havendo uma subnotificação muito grande”, comentou.

Noutro relatório, fechado até 16 horas de ontem, 13, passado pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena do Ceará (Condisi-CE), Neto Pitaguary, há registro geral de 25 casos confirmados, nove curas clínicas e 17 infectados atualmente em todo o Estado.

Mesmo com a provável subnotificação, o Ceará desponta como o estado nordestino com mais confirmações de infecção pelo novo coronavírus em comunidades indígenas. Fica atrás, somente, de territórios indígenas como Alto Rio Solimões (129) e Manaus (37).

“Infelizmente, não temos rede de unidades básicas de saúde indígena com infraestrutura adequada. Também estamos sofrendo com a insuficiência de profissionais”, citou Weibe. Além disso, segundo o líder indígena, têm sido comuns relatos de profissionais que atuam na saúde indígena sobre racionamento de EPIs e falta — tanto nas unidades básicas de saúde como nas comunidades — de máscaras, álcool em gel e materiais de higiene pessoal.

Testar a população indígena e encaminhar pacientes infectados para hospitais têm sido outras dificuldades recorrentes. “Há três dias, aqui, na minha aldeia, uma senhora que estava com os sintomas teve uma piora e faleceu antes de chegar ao hospital de Caucaia. Como não havia sido testada antes, o caso segue sob investigação”, compartilhou Weibe, complementando que, devido à superlotação da rede pública de saúde, o “comum” tem sido, nos hospitais, receber medicação e orientação de retorno para casa. “Quando é caso grave, que é recomendado ir pros hospitais regionais, nem nesses locais tem respiradores e leitos”, disse.

Para diminuir a circulação do novo coronavírus nas comunidades indígenas, barreiras sanitárias estão sendo erguidas pelos próprios índios. O intuito é evitar a entrada de pessoas estranhas que, descumprindo o decreto de isolamento social, querem usufruir de lagoas, cachoeiras e praias próximas às comunidades. “Seria necessária uma atuação mais eficaz dos órgãos de segurança pública para coibir a entrada dessas pessoas”, sugere o advogado.

Como a responsabilidade sobre ações de prevenção e enfrentamento à Covid-19 em comunidades indígenas é prioritariamente do Governo Federal, o Governo do Estado tem se limitado a, por meio da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), prestar assistência social distribuindo cestas básicas e incluindo indígenas em auxílios emergenciais como a gratuidade no pagamento das contas de água e luz.

“Acredito que o Estado poderia contribuir propondo um plano estadual com ações referentes a assistência às famílias que estão passando por dificuldade quanto à subsistência. Muitas famílias têm sua economia baseada na agricultura, na pesca e no artesanato”, sugere Weibe.

Óbitos no Ceará

Conforme notas à imprensa divulgadas nesta semana pela Sesai, morreram, no Ceará, uma agente de saúde indígena da etnia Tabajara e um indígena da etnia Pitaguary.

A primeira deu entrada num hospital municipal de Monsenhor Tabosa, no último dia 5 de maio, apresentando falta de ar, febre, tosse, dor de garganta e baixa saturação. Fez teste para diagnosticar a infecção por coronavírus e teve resultado reagente. Chegou a ser encaminhada de ambulância para o Hospital Regional Norte, em Sobral, mas teve a viagem interrompida por um acidente de trânsito. Foi levada novamente para o hospital de Monsenhor Tabosa, para estabilização do quadro, mas acabou morrendo no hospital, no último domingo, 10.

Já o indígena da etnia Pitaguary, de 53 anos, foi atendido numa unidade básica de saúde de Maracanaú, no último 30 de abril, com dificuldade para respirar, tosse e saturação de oxigênio menor que 90%. Com agravamento do quadro respiratório, foi encaminhado, no dia 1º de maio, para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Pajuçara. Faleceu lá, no dia 2 de maio, por insuficiência respiratória aguda grave. Porém, como era caso suspeito de Covid-19, foi feito teste para diagnóstico da infecção. O resultado positivo saiu apenas no dia 5 de maio.

Lockdown nas comunidades indígenas cearenses

Jorge Luiz Rodrigues, professor na Universidade Federal do Ceará (UFC) e infectologista no Hospital Universitário Walter Cantídio, defende que o modelo de isolamento social rígido adotado em Fortaleza — o chamado lockdown — deve ser instaurado em territórios indígenas como forma de proteger essas populações do vírus que se propaga nas cidades.

“Ninguém tem imunidade pra ele (o coronavírus), a menos que adoeça. Então, todos vamos estar sob um risco grande. E eles (os indígenas), principalmente, porque vivem muito aglomerados, dormem muito aglomerados”, observou o médico. Daí a recomendação dele de lockdown. Caberia ao poder público “bloquear as entradas (nos territórios) e ter alguma forma de sustento pra eles, algum planejamento social”, sugeriu o especialista.

Rede de solidariedade

Numa transmissão ao vivo pelo Youtube, ontem, 13, sobre saúde mental indígena, o presidente do Condisi-CE, Neto Pitaguary, destacou o quanto tem sido desafiador para as comunidades enfrentar a pandemia de Covid-19. “Estamos precisando urgentemente de máscaras para levar para as nossas populações indígenas. E cestas de alimentos, seja em qual quantidade for”, declarou.

Isso porque, como adiantou Weibe Tapeba, as atividades de subsistência dos indígenas estão sendo prejudicadas pelo necessário cumprimento das medidas de isolamento social.

Tendo em vista esse problema, a Fepoince, portanto, anunciou uma campanha emergencial para arrecadar contribuições que serão revertidas em aquisição de alimentos, materiais de higiene pessoal e EPIs para os indígenas cearenses. Interessados em contribuir podem depositar qualquer valor na conta bancária com os dados abaixo:

Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará
CNPJ: 34.816.161/0001-70
Caixa Econômica Federal
Agência: 0919
OP: 003
Conta: 5489-6

Repórter: Luana Severo

Foto: Érika Fonseca