O RESGATE DO DIREITO DE VIVER

08/11/2019 - Adriana Albuquerque

Expediente: Coordenadoria de Comunicação: Renata Sampaio Diretor da Agência Fortaleza: Marcelo Lino Reportagem: Adriana Albuquerque Fotos: Evilázio Bezerra e Mateus Dantas Ser vítima, nunca mais! -“Ele não tirou sangue de mim!”. – “Eu achei que era só um momento de raiva”. – “Ele disse que se eu denunciasse as consequências viriam”. As frases retratam uma […]

Expediente:
Coordenadoria de Comunicação: Renata Sampaio
Diretor da Agência Fortaleza: Marcelo Lino
Reportagem: Adriana Albuquerque
Fotos: Evilázio Bezerra e Mateus Dantas

Ser vítima, nunca mais!

-“Ele não tirou sangue de mim!”. – “Eu achei que era só um momento de raiva”. – “Ele disse que se eu denunciasse as consequências viriam”.

As frases retratam uma realidade vivida por muitas mulheres, que no ambiente familiar vem enfrentando uma relação diária com a violência doméstica. Apesar de ser um tema presente em diversas esferas da sociedade, a violência contra a mulher ainda é uma questão que carrega o peso do número de vítimas. No Brasil, a cada 2 segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal, como aponta o Relógio da Violência disponibilizado pelo Instituto Maria da Penha.

Acesse o Relógio da Violência e veja em tempo real os dados da violência contra a mulher no Brasil.

No Brasil essa luta ganhou rosto com o caso da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de tentativa de feminicídio, e que, junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), lutou pela punição do seu agressor, sendo o país condenado por não dispor de mecanismos suficientes e eficientes para proibir a prática de violência doméstica contra a mulher. A batalha trouxe resultado e hoje a população feminina conta com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) que criou mecanismos permanentes de enfrentamento ao crime, envolvendo as diversas esferas da Justiça e do Poder Público, com ações de prevenção, combate e punição as agressões cometidas contra à mulher no país.

Dado retratado pelo Relógio da Violência (Instituto Maria da Penha)

O que é a violência doméstica e familiar?

A Lei Maria da Penha define a violência doméstica e familiar qualquer ação e omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico, moral no ambiente familiar em qualquer relação íntima de afeto independente de morar na mesma casa.

Os dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos reforçam a importância da Lei Maria da Penha, criada em agosto de 2006, que descreve e classifica as diversas formas de agressão que englobam o universo da violência doméstica e familiar. No Balanço do Sistema Integrado de Atendimento à Mulher em 2018, por meio do Ligue 180, foram registradas 62.485 denúncias de casos enquadrados pela Lei Maria da Penha.

Com índices alarmantes, que ainda mostram um grande número de casos de tentativa de feminicídio no Sistema Integrado de Atendimento à Mulher, em 2018 foram 2.075 ocorrências e 63 casos de feminicídio.

VOCÊ É VÍTIMA DE VIOLÊNCIA?

A criação de uma legislação específica foi um marco no país, mas a violência contra a mulher no Brasil ainda precisa quebrar as barreiras do “desconhecimento” sobre os direitos das vítimas, passando pelo reconhecimento da mulher como detentora de direitos resultando na quebra do ciclo da violência. Quando esse momento chega é importante contar com uma rede de apoio, que em Fortaleza vem sendo desenvolvida há várias mãos e que hoje fazem parte da Casa da Mulher Brasileira.

Nesta linha de frente, as vítimas de violência doméstica, podem contar com o trabalho humanizado da Defensoria Pública do Estado, que por meio do Núcleo de Enfrentamento a Violência contra à Mulher (Nudem) vem fortalecendo o acesso à Justiça. Em um ano de atuação na Casa da Mulher Brasileira, os defensores públicos, com o auxílio de uma equipe psicossocial, vem alcançando um número maior de mulheres, que buscam no Nudem, os meios legais para recomeçar uma nova fase em suas vidas.

A defensora pública Dra. Jeritza Braga, fala que o momento reflete um trabalho voltado para a construção de uma relação de confiança entre as vítimas, profissionais e as instituições públicas. Em uma conversa sobre os avanços alcançados com a Lei Maria da Penha, a defensora não pôde deixar de relembrar casos que fazem parte desta história, trazendo à tona a necessidade de fortalecer junto ao público feminino os seus direitos.

“Atendemos aqui na Defensoria Pública muitas mulheres que acham que a violência só é a física. Quando perguntamos o que aconteceu elas logo respondem: – Doutora ele não tirou sangue de mim”, relata.

Nos relatos das mulheres, como descreve a defensora, Dra. Jeritza Braga, também se reflete o medo da reação da sociedade e do impacto no ambiente profissional. Ela lembra, com emoção, da mediação junto a uma empresa privada para que uma funcionária tivesse a oportunidade de uma vida nova. Com autorização da mulher, o Nudem, em contato com o Recursos Humanos da empresa, relatou a situação de violência enfrentada pela mulher e com isso conseguiu um amparo integral à vítima. A mulher, junto a Defensoria, teve acesso ao divórcio, medida protetiva, guarda dos filhos e a transferência do local de trabalho para outro estado.

Casos como este devem ser comemorados, mas em paralelos, existem muitas histórias que retratam a forma mais cruel da violência contra a mulher, culminando na tentativa de feminicídio ou mesmo o feminicídio.

RELATO DE ESCUTA DA DEFENSORA PÚBLICA, DRA. JERITZA BRAGA

O novo endereço na Casa da Mulher Brasileira, que integra também o Centro de Referência da Mulher, a Delegacia da Mulher, Ministério Público, dentre outras instituições, trouxe resultados significativos que reforçam a necessidade de uma atuação conjunta da rede de enfrentamento. Os dados do Nudem apontam um crescimento de mais de 95% dos atendimentos, passando de 4.388 mulheres assistidas para 8.636 atendimentos no período de junho de 2018 à junho de 2019 pela Defensoria Pública.

Atuação que se reflete na vida de mulheres que ao buscar ajuda vem descobrindo um novo modo de viver. Como é o caso de uma mulher com 49 anos, dois filhos, autônoma e que decidiu denunciar. Adotamos o nome de Célia Garcia para a ilustrar a história desta mulher.

O passado de agressões físicas e psicológica não faz mais parte do seu presente. A quebra deste ciclo ocorreu em 2016, após 9 anos de convivência com a violência doméstica. As primeiras agressões ocorreram após 5 anos de relacionamento, e a denúncia não foi realizada. Célia pensou que fosse apenas “um momento de raiva”.

“Essa situação é complicada, porque você não quer chegar até a delegacia pra fazer uma denuncia, só que chega ao ponto que você se ver obrigada. Você passa muito tempo analisando, procurando respostas, sugestões, opiniões. A mulher não tem coragem, a coragem só chega quando ela passa por essa situação que eu passei de humilhação, espancamento e xingamentos. Isso começa a mexer com o psicológico, vai saindo o gostar, o amor, vai dando mais coragem. Tendo ajuda ou não das pessoas mais próximas, temos que tomar as providências porque senão vamos continuar vivendo uma vida martirizada”, relata.

Ao lembrar dos momentos vividos ao lado do agressor e ex-companheiro, Célia fala da decisão de quebrar o ciclo da violência.


Foto: Evilázio Bezerra

Procurar por ajuda na rede de apoio vem mudando a história de muitas brasileiras, como vem sendo o caso de Célia Garcia. Nesta nova fase da vida ela reforça a importância do amor próprio, o cuidado com os filhos e confiança nos mecanismo de combate e punição da violência contra a mulher. Célia, que poderia atender por vários outros nomes, é uma de muitas mulheres que enfrentam a rotina diária na sua reafirmação como mulher, mãe e atriz principal da sua história.

Entrevista com a defensora pública, Dra. Jeritza Braga, supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem)

Falar sobre a violência doméstica é um assunto que precisa ser tratado com veemência por todas as esferas da sociedade e em conversa com a Defensoria Pública podemos entender melhor esse universo do enfrentamento e do apoio às vítimas de agressão.

Agência Fortaleza – Qual o papel da Lei Maria da Penha no enfrentamento à violência contra a mulher?


Em defesa dos direitos da mulher – Foto: Evilázio Bezerra

A mulher que toma o conhecimento de que ela é capaz, que ela não deve se submeter a nenhuma forma de controle, consegue romper o ciclo de violência. E isso é muito importante não só para ela, mas para outras mulheres. 

Uma das três leis mais bem feitas do mundo. A violência doméstica na realidade é um crime contra a humanidade. Uma violência transversal que atinge todas as pessoas, independente de classe, raça, cor e etnia. Nesses 13 anos a lei traz essa série de ações para prevenir e erradicar a violência doméstica, com a realização de campanhas, rodas de debate e oficinas.  A ideia é que as mulheres conheçam os seus direitos.

Agência Fortaleza – Qual o cenário enfrentado pela mulher em relação à violência doméstica?

Uma mulher vítima de violência muitas vezes não tem rede de apoio, ela está muito sozinha. A família não acredita porque o perfil desse homem agressor na sociedade e amigos é de um cara legal, que trabalha, que sustenta a casa, cuida da mulher. E nesse cuidado dela é que está o problema. 

A violência é um ciclo, nenhuma relação começa no tapa. A relação começa com o amor, carinho, depois ela vai se transformando, vem a fase da agressão psicológica, o homem começa a falar alto, xingar; depois vem a fase da explosão com a violência física, e aí, ele sempre culpa a mulher por isso, e pede desculpas depois e diz que vai mudar e começa tudo de novo.  

Agência Fortaleza – Como é garantido as mulheres o direito a proteção e como ocorre esse processo?

Antigamente não tínhamos a Delegacia da Mulher e a vítima de violência procurava uma delegacia de bairro e muitas vezes era classificado com crime de menor potencial ofensivo e acabava com o pagamento em cesta básica e isso desestimulava a mulher. E a Lei Maria da Penha trouxe essa rede de enfrentamento: Delegacia da Mulher, Ministério Público, Defensoria, com o Núcleo de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, o Juizado da Mulher, Centro de Referência.

E aqui no Ceará temos o equipamento da Casa da Mulher Brasileira. Antigamente elas eram revitimizadas pelo fato de terem que peregrinar entre os órgãos e nós muitas vezes perdíamos essa mulher no meio do caminho, porque muitas vezes ela não tinha tempo e nem dinheiro para o deslocamento.  

Agência Fortaleza – Em 13 anos da Lei Maria da Penha ainda temos desafios?

“Infelizmente ainda temos muitos desafios, a violência contra as mulheres vem aumentando em número galopantes. Nos casos de feminicídio cerca 70% das mulheres morrem dentro de casa, por conta dos seus maridos e companheiros, em suas relações íntimas, isso é um dado muito grave.  

E nós percebemos que essas mulheres vítimas de feminicídio são aquelas mulheres que nunca denunciaram, que não tem uma medida protetiva, nunca fizeram um Boletim de Ocorrência (BO). As que fazem tem uma chance muito maior de sobreviver, então ainda temos muito que avançar, poucos municípios contam com Centros de Referências da Mulher (CRM), porta de acolhida dessas mulheres vítimas de violência. 

Agência Fortaleza – E como trazer essas mulheres, vítimas de violência, para serem protagonistas de suas vidas?

As mulheres precisam entender que isso não acontece apenas com a vizinha, elas tem que acreditar que a rede de enfrentamento está a disposição delas, uma rede muito forte e unida, e que está para atender essas mulheres. 

A Defensoria não está só na representação judicial, mas nas áreas cíveis, como divórcio, partilha de bens, pensão, guarda, recuperação de danos morais e patrimoniais, e tantos outras ações. Medidas que não deixam que ela perca a auto-estima, mostrando que ela é capaz, e que consegue viver uma vida feliz longe do agressor.  

Continue mudando a sua vida, denuncie!

Locais de Atendimentos Defensoria Pública em Fortaleza :

  • Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem)

Endereço: Rua Tabuleiro do Norte, S/N, Couto Fernandes (Casa da Mulher Brasileira) 

Tel: (85) 3108-2986

  • Juizado Especial da Violência Contra a Mulher

Endereço: Av. da Universidade, 3281, Benfica 

Tel: (85) 3433.8785 / 3433.87282

  • Juazeiro do Norte 

Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher – Nudem Cariri

Endereço: Travessa Iguatu, 304, Crato.

Link para os endereços do interior: http://www.defensoria.ce.def.br/locais-de-atendimento/interior/


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Uma vida de oportunidades

Trabalhar e estudar para muitos representam elementos naturais da rotina diária do indivíduo, mas para muitas mulheres é algo desejado e sonhado. Conquistas que requerem força e coragem, pois para alçarem os seus objetivo precisam quebrar o ciclo da violência. No universo da violência doméstica a dependência financeira surge como um dos fatores principais na hora da decisão entre a denúncia e o silêncio. E inúmeras vezes o calar vence o grito de liberdade.

O perfil das mulheres atendidas pela Casa da Mulher Brasileira aponta que 35% das vítimas não possui nenhuma renda, o que acaba influenciando na permanência da mulher junto ao agressor.

Realidade ainda enfrentada por muitas mulheres mas também vencida. Como foram os casos de Priscila Nazaré e de Patricia Nascimento, mulheres que deixaram o termo “vítima” no passado. As duas fazem parte do núcleo de Autonomia Econômica da Casa da Mulher Brasileira e atualmente participam dos cursos de capacitação do local.

Mulheres que venceram o ciclo da violência e que hoje mostram como é possível um novo recomeço (Foto: Evilázio Bezerra)

Lembrar dos momentos de agressão só para incentivar outras mulheres a continuar o caminho, fortalecendo uma batalha diária no combate à violência. Os relatos expõem a importância da rede de apoio, sendo essencial na reinserção das vítimas na vida em sociedade.

Nesta trajetória de mulheres que ultrapassaram a barreira do medo, Priscila Nazaré fala dos projetos para o futuro e como ter objetivos na vida profissional vem impulsionando a busca por conhecimento.

Hoje com 30 anos, Priscila lembra do começo de uma vida adulta precoce. Aos 16 anos decidiu sair de casa e começar um relacionamento conjugal, com um homem que seria o seu primeiro agressor.

Os relatos retratam uma luta diária pela sobrevivência. A denúncia veio depois de várias agressões, mas a violência doméstica ainda foi presente no cotidiano de Priscila sempre pautada pela dependência financeira além da violência psicológica.

A retomada de sua vida chegou pelas oportunidades e do desejo de mudança. Priscila voltou a estudar e começou a trabalhar por conta própria com a venda de chocolates, além de trabalhar em recepção de eventos. Cheia de sonhos, ela fala da nova trajetória e como partilhar a sua história vem ajudando outras mulheres a vencer o medo.

A nova fase retrata o sentimento de realização pessoal – Foto: Evilázio Bezerra

Atendida pela Casa da Mulher Brasileira, a jovem está participando do curso de Recepção, e relata a satisfação em viver novas experiências.
“Estou começando ter auto-estima. A mulher fica totalmente dependente do agressor, sentia que ninguém iria me querer, não teria oportunidades e não seria mais útil, resultado da pessoa me maltratava e espancava. Então participar dos atendimento da Casa da Mulher está sendo muito bom para me levantar. Um ambiente de superação ”, ressaltou Priscila falando sobre

Histórico de superação também partilhado por Patrícia Nascimento. As lembranças do convívio com o namorado agressor só mostram uma fase do passado e que o sentimento de angústia e opressão não fazem mais parte da sua vida. O fim do relacionamento veio após a agressão física, episódio que resultou na perda de um emprego estável, mas um recomeço da sua história.

Patricia foi uma das vítimas que presenciou os primeiros passos da Lei Maria da Penha. As agressões ocorreram no ano da criação da legislação e a vivência trouxe o conhecimento sobre os seus direitos como mulher.

Partilhar as vivências vem motivando a criação de novos laços – Foto: Evilázio Bezerra

E o recomeço não incluiu ficar sozinha, Priscila, hoje, com uma filha de 21 anos, é casada há 12 anos, e diz que a relação começou de forma transparente e pautada pelo respeito aos seus direitos. O exemplo e as vivências são passadas para outras mulheres que buscam em Priscila uma palavra de conforto e apoio para continuar na luta contra a violência doméstica.

No grupo de aproximadamente 20 mulheres, que fazem parte da Oficina de Design de Sobrancelhas do núcleo de Autonomia Econômica, Patricia Nascimento recebe os elogios das amigas pela coragem de contar a sua história. O momento das fotos ressalta o espírito de amizade em sala de aula. Elas dividem o espaço de conhecimento profissional com a alegria da quebra do ciclo de violência.

“É Importante que nenhuma mulher desista, que não falte o desejo de crescer e de sempre querer algo melhor e que nenhum homem tornem elas presas a relacionamentos. Depois que passei pela violência disse que nunca mais seria presa a alguém”.

Para a coordenadora da Casa da Mulher Brasileira, Darciane Ribeiro ser um ponto de apoio a mulher vítima de violência e garantia a elas os seus direitos da mulher mostra que o equipamento está atingindo o objetivo.

“Em 16 meses de funcionamento foram realizados 32.505 atendimentos. Nós temos a recepção, o psicossocial com uma escuta qualificada, humanizada e mantendo a privacidade de cada mulher. Quando enfrentamos a violência o grande desafio é eliminar a dependência financeira e para isso nós temos uma célula dentro da Casa, a Autonomia Econômica. Nós entendemos que não basta só colocar os locais de denúncia, mas também é importante apontar caminhos no ponto de vista da sobrevivência, e dentro dos nosso objetivo está a influência na comunidade para a formação de uma nova consciência social”, apontou Darciane.

Papel que vem sendo fortalecido também pela Coordenadoria de Política para as Mulheres de Fortaleza, que atua com o Centro de Referência à Mulher. Natália Rios, coordenadora das ações na gestão municipal, destacou os resultados alcançados na política de enfrentamento à violência, frisando os projetos desenvolvidos, com destaque para a implementação do botão NINA no aplicativo Meu Ônibus, que registra casos de assédio no transporte público.

“O grande desafio é que para enfrentar os números da violência haja um trabalho de mapeamento da cidade em relação aos índices. Fazer um trabalho dentro das comunidades, um trabalho com os homens para que eles se conscientize dos direitos da mulher. Para que os homens não agressores tomem a luta para si, criando uma cultura maior de paz entre os gêneros”, pontuou Natália Rios, falando sobre o lançamento de um Observatório.

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Construindo uma nova realidade para as nossas mulheres 

Falar da violência doméstica também traz a tona o trabalho de desconstrução de uma sociedade pautada pelo machismo. A luta por direitos iguais passa pelo problema de apropriação de conceitos pré-definidos para a mulher e para o homem na sociedade e no ambiente familiar. E atuar no debate dessas questões também é algo apontado pela Lei Maria da Penha, que traz a prevenção como arma de enfrentamento e combate a violência.


Debates na Universidade vem colocando em pauta a questão da masculinidade tóxica (Foto: Mateus Dantas) 

O assunto também vem movimentando o campo acadêmico, por meio dos cursos de psicologia, serviço social, dentre outros. Ao levantar a questão da mulher como um ser de direitos também se levanta a posição da sociedade em reconhecer esses direitos e colocar-se frente da efetivação dessa mulher no mundo, fomentando a construção da equidade entre os gêneros. 

O desejo por direitos iguais e respeito com o outro vem movimentando a criação de grupo de debate e extensão universitária. O professor do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza, Armando Sérgio, reforça o papel da formação na construção de um “novo” modelo de sociedade, envolvendo os profissionais de diversas áreas no desenvolvimento de ações efetivas de combate a violência contra a mulher.

Sentimento partilhado por movimento de homens, que conta com a participação do professor universitário Eneas Arrais trata a problemática da violência contra a mulher como um fato que precisa ser debatido com todas as esferas e que a construção de uma nova postura diante da questão passa por reconhecer o ser humano em sua plenitude, não havendo distinção de gêneros. “A luta do feminismo precisa ser destacada. O movimento feminista resultou no empoderamento da mulher, esse posicionamento foi forçando ou estimulando os homens mais sensíveis a esse olhar para si mesmos, numa caminhada de autoconhecimento. O que nós queremos é ser gente em plenitude, rompendo com todas as amarras, vencendo as barreiras , as visões impostas. Nós estamos em busca de crescimento como ser humano”, destacou o professor universitário Eneas Arrais, que participa de um grupo masculino de debates sobre questões envolvendo o cotidiano da sociedade. 

Masculinidade tóxica – A expressão traz uma sensação de estranheza mas nas rodas de debates sobre o papel do homem na sociedade o termo já é bem difundido. O universo de desconstrução dos conceitos machistas traz um novo olhar sobre o ser humano e como uma sociedade paternalista e tradicional influencia diretamente na sustentação de uma masculinidade tóxica. Para a mestranda de sociologia e assistente social, Tuany Moura a mudança do cenário de violência contra a mulher passa pela reflexão do ambiente social como um todo e que uma abordagem ampla sobre o contexto estrutural dos problemas sociais é algo fundamental na dissolução dos preconceitos. 

“Precisamos estabelecer um diálogo. Nós temos pai, irmãos e amigos, nós não vivemos sozinhas. A sociedade tem que começar esse diálogo,trabalhar o agressor diante da masculinidade, identificando que este modelo patriarcal é tóxico, debatendo o contexto desse homem que comete a violência dentro dos lares. Desconstruir essa masculinidade tóxica, pois os homens são os que mais matam mas também são os mais morrem”, apontou Tuany Moura.  

Na busca por esse equilíbrio na relação entre seres humanos, que transcende a questão homem e mulher, conhecemos a história da família de Carolina Tinta e Ben-hur de Oliveira, pais de Rudá e Iara, companheiros de profissão, ambos são psicólogos, e acima de tudo, parceiros de vida. E como chegamos a essa equação em que as diferenças são respeitadas, Carol fala emoção sobre a educação forte e ativa que recebeu da mãe, que sempre trabalhou e procurava mostrar a todo momento  que a mulher tem direitos iguais ao dos homens. 

Carolina e Ben-Hur reforçam o papel de todos na construção de uma consciência coletiva de direitos iguais (Foto: Arquivo pessoal)

Desafio encarado pela psicóloga como um exercício diário na luta da vida. “Fui criada e vivo numa sociedade paternalista, mas tive a sorte de ter uma mãe muito ativa e forte e foi importante para a construção desse pensamento de que a mulher tem o seu direito. Quando nos percebemos mãe aí tem um desafio extra. E esse é um equilíbrio difícil, um desafio que vai depender do contexto social da mulher”, revela Carolina, que também é doula e feminista. 

Na vivência profissional ela tem um contato com a violência obstétrica, uma forma ainda velada de violação de direitos, reforçada pelo desconhecimento: “muitas vezes a mulher está sendo violentada e não se percebe”.  Esse recorte da luta diária da mulher na sociedade reforça a luta do movimento feminista, que traz em sua pauta a equidade dos direitos, como bem reforça Carolina. 

Neste contexto o papel do homem também é destaque na desconstrução dos preconceitos sobre o “lugar da mulher”. No cotidiano desta família as responsabilidades são um projeto conjunto, lutando contra um subconsciente social que grita: – Quem estrutura a família é a mulher – a mulher precisa dá conta do doméstico e de perdoar o marido pelas falhas de caráter e se o projeto de família falhar é culpa da mulher, porque ela que não soube perdoar!.

E nessa luta de afirmação da mulher e do homem como provedores do lar, ainda é visível e palpável o carma da escolha delegado à mulher: bem sucedida ou ter uma família. Escolha que Carolina, esposa de Ben-Hur e mãe de Hudá e Iara, não precisou fazer, pois o processo de construção conjunta prevaleceu, colocando acima de tudo o respeito com o outro e as suas necessidades. Conceito que ela reforça ser algo essencial na vida, principalmente quando avaliamos as novas gerações (news generation)

Segundo a psicóloga, os news generation demandam essa mudança de comportamento, são crianças com pensamentos rápidos, com um senso de coletividade maior e que trazem a todo momento questões diferente para o universo dos pais. 


“Ben-hur vem de uma cultura sertaneja, cearense do sertão, ele busca a paternidade ativa, ele me ouve e eu o escuto”, Carolina Trinta. Foto: Mateus Dantas  

E como falar desta relação e não descrever a vivência de Ben-hur, marido da Carolina e pai do Rudá e da Iara. Na conversa sobre paternidade  e o papel desempenhado no dia a dia, o psicólogo destaca a participação na criação dos filhos, a cumplicidade e o respeito com os direitos de cada um, e como a paternidade ativa tem um papel importante na desconstrução dos papéis pré-definidos pela sociedade.

Essa mudança, como ressalta Ben-hur, requer uma atenção do poder público no fortalecimento de direitos iguais, com ações efetivas no fortalecimento da paternidade ativa. O terapeuta lembra do nascimento dos filhos e como dividir o momento com Carolina vem sendo importante na sua trajetória como pai. “O movimento de humanização do parto tem um papel importante no vínculo dos pais. Se antes gestação e parto era uma coisa de mulher, pensado e tratado assim pela maioria dos homens, inclusive por mim, quando a gente começar a pensar junto como que nosso filho vai nascer isso traz uma nova forma de vê as coisas e facilita o vínculo do homem com o filho”, ressaltou. 

Transformações que devem ser encaradas como a essência da vida em sociedade, com o respeito mútuo entre homens e mulheres, prevalecendo o direito de viver, como relata vereadora e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Fortaleza, Larissa Gaspar (PT).